terça-feira, 7 de maio de 2013

Africanidades Brasileiras Trata-se de uma nova disciplina ou de uma área de pesquisas?

Adicionar legenda

No âmbito escolar e acadêmico, as Africanidades Brasileiras constituem-se em campo de estudos, logo, tanto podem ser organizadas enquanto disciplina curricular, programa de estudos abrangendo diferentes disciplinas, como área de investigações. Em qualquer caso, caracterizam-se pela interrelação entre diferentes áreas de conhecimentos, que toma como perspectiva a cultura e a história dos povos africanos e de descendentes seus nas Américas, bem como em outros continentes.Ora, se as Africanidades Brasileiras abrangem diferentes áreas, não precisam, em termos de programas de ensino, constituir-se numa única disciplina, pois podem estar presentes, em conteúdos e metodologias, nas diferentes disciplinas constitutivas do currículo escolar. Vejamos alguns exemplos.

Matemática 
 Ao desenvolver conteúdos da disciplina, se o professor estiver atento às Africanidades, valer-se á, certamente, de obras ainda raras entre nós que mostram construções matemáticas africanas de diferentes culturas, pois como pondera Asante (1990), não é possível compreender o que há de africano na América enquanto fonte e origem, sem voltar nosso olhar e curiosidade à África. Assim sendo, ao trabalhar geometria, volume e outras medidas, chamará o professor a atenção, ilustrando com imagens, para o fato de que estes eram conhecimentos do domínio dos antigos egípcios, o que permitiu-lhes construir obras monumentais como as pirâmides. Buscará mostrar fotografias do antigo reino do Zimbábue, destacando, por exemplo, as torres cônicas das muralhas do templo. Mais do que isto, valer-se-á o professor de expressões da arte africana, como as pinturas que os Ndebele fazem em suas casa. Com isto, irão aprendendo diferentes caminhos trilhados pela humanidade, através de povos de diferentes culturas, para a construção dos conhecimentos que vêm acumulando.

Ciências 
 Ao estudar o meio ambiente, do ponto de vista das Africanidades Brasileiras, há que necessariamente abordar a questão dos territórios ocupados por população remanescente de quilombos ou herdeira de antigos fazendeiros e conhecer as formas de cultivo e de utilização de recursos naturais que empregam, sem ferir o equilíbrio do meio ambiente.

Psicologia 
Esta disciplina trata de importantes descobertas da ciência do mesmo nome, a respeito, por exemplo, do desenvolvimento das crianças e adolescentes, do comportamento das pessoas, das maneiras como elas se relacionam entre si. No Brasil, assim como em outros países de fortes raízes africanas, em qualquer nível de ensino, se torna inadmissível desconhecer as obras de Franz Fanon, pelo menos Pele Negra, Máscaras Brancas (s.d.) e Os Condenados da Terra (1979), que analisa e discute as dificuldades enfrentadas por descendentes de africanos para terem sua identidade respeitada, num mundo colonizado por europeus. No nosso caso específico, não há como desconhecer a obra de Neuza Santos Souza, Tornar-se Negro (1983), tampouco estudos como os de Marilene Paré sobre a auto-estima de crianças negras (1991), o de Rachel de Oliveira, o de Ademil Lopes( 1994), e o de Consuelo Silva (1995) sobre socialização da criança negra na escola.

Educação Física
 Na medida em que esta disciplina se dedica à educação do corpo, incluindo a dança em seu currículo, é incompreensível que no Brasil deixe de haver seções de danças de raízes africanas e, na área de jogos, a inclusão da capoeira. Estudos como os realizados por Reis da Silva (1994) e Ferreira da Silva (1997) trazem sugestões para professores e outros educadores, além de 163 Aprendizagem e ensino das africanidades brasileiras considerações importantes, mostrando a importância de tais atividades para a afirmação da identidade de descendentes de africanos.

Educação Musical 
 Do ponto de vista das Africanidades Brasileiras, não tem cabimento a musicalização de crianças, adolescentes e adultos que não inclua os ritmos de origem africana. E do mesmo ponto de vista, não bastará ouvir textos musicais e reconhecer instrumentos típicos. Será preciso ouvir e fazer tentativas de tirar som e ritmo de instrumentos: caixa de fósforos, pandeiro, agogô, chocalho, atabaque, berimbau, etc., com o auxílio de quem sabe fazê-lo. E não basta saber tocar instrumentos, é importante saber do que são feitos, como são feitos e, sempre que possível, aprender a construir pelo menos algum deles. Mais ainda, as músicas de origem africana são feitas para serem cantadas, dançadas. Portanto, ensinar música afro, na perspectiva das Africanidades, implica ouvir, cantar, produzir ritmos, construir instrumentos, dançar, conhecer a origem dos ritmos e dos instrumentos, e as recriações que têm sofrido através dos tempos e nos lugares por onde têm passado, se enraizado.
Artes Plásticas 
Como bem pondera a professora Loris, nos trabalhos com argila, papier-mâché pode-se, por exemplo, aprender sobre e criar máscaras de inspiração africana, além de comparar os trabalhos africanos com o de pintores europeus, com pinturas de Picasso, Modigliani, identificando a influência daquelas sobre estas. Em atividades com pintura, ensina Vera Triumpho8, é possível conhecer a origem, significados e técnicas do batique. Enfim, muitas idéias certamente surgirão do estudo da valiosa obra organizada por Emanoel Araújo (1988), A Mão Afro-Brasileira – Significado da Contribuição Artística e Histórica.

Literatura 
 O negro não somente tem sido tema na literatura brasileira. Sabemos todos que muitos têm criado, sendo inúmeros nossos escritores descendentes de africanos. Interessante será estudantes poderem comparar a visão de escritores negros, com a de outras etnias, sobre as questões que afligem a população negra, ou que constituem razão de alegrias ou tristezas para pessoas de qualquer etnia. Será importante compararem obras de afrobrasileiros com a de africanos. Como exemplos de autores e textos, cito o livro organizado por Mário de Andrade Antologia Temática de Poesia Africana – O Canto Armado; o de Oswaldo de Camargo – O Negro Escrito; as publicações periódicas do Quilomboje – Cadernos Negros, publicados desde 1978; os trabalhos de Luiz Gama, Cruz e Souza, Oliveira da Silveira, Esmeralda Ribeiro, Míriam Alves, Celinha, Jônatas da Conceição, Geni Guimarães, entre tantos outros.
Sociologia 
Fonte-chave para estudos que tenham preocupação com as Africanidades Brasileiras é certamente a obra de Clóvis Moura, salientando-se Sociologia do Negro Brasileiro (1988), em que aborda a sociedade brasileira, a partir de estudos sobre a problemática que envolve o povo negro.

Geografia
 Os estudos dos espaços físicos e dos espaços humanos que a partir dele vão-se construindo requerem que se tenha como referência trabalhos de Milton Santos, entre outros, O Espaço do Cidadão (1990) e A Natureza do Espaço (1996), pois este autor estuda a Geografia do ponto de vista dos empobrecidos e marginalizados e, no caso do Brasil, a maioria dos descendentes de africanos se encontram entre eles.

História
 A história do Brasil, enquanto construção de uma nação, inclui todos os povos que constituem a nação. Assim, ignorar a história dos povos indígenas, do povo negro é estudar de forma incompleta a história brasileira. O professor que trabalha na perspectiva das Africanidades Brasileiras não omitirá, por exemplo, ao tratar da fundação de Laguna, em Santa Catarina, que, conforme registra Cláudio Moreira Bento (O NEGRO, 1979), a expedição que lá se instalou, em 1648, era formada em 70% por homens negros escravizados. Ao referir-se à fundação da Colônia de Sacramento, não esquecerá de fazer saber que, além dos escravos, a tropa fundadora contava com soldados negros.